A experiência invisível do pânico
Em uma sociedade sedenta por exigências, o sujeito vive praticamente em realidades paralelas. De um lado, estão seus desejos e, do outro, a inibição dos mesmos. Realização e inibição caminham lado a lado e se cruzam justamente quando a realidade impõe condições de escolha. Dou vazão ao desejo ou o reprimo?
Freud, em um brilhante artigo chamado “O mal estar na civilização”, destaca o quanto nossa condição de sobrevivência frente à civilização está na renúncia das pulsões (força propulsora da psique). Assim, administrar os limites e excessos é condição inescapável da neurose.
A cultura faz esse jogo e, como resultado, os sintomas psíquicos também sofrem suas mutações. Um exemplo claro está nos sintomas depressivos. Décadas atrás, a depressão se confundia com uma certa melancolia da vida cotidiana. Como consequência, a depressão tornou-se objeto de poemas e peças teatrais. As obras tinham a tristeza profunda como pano de fundo para as manifestações do trágico. Atualmente, a depressão é um transtorno mental, “doença” a ser tratada, medicada e analisada com condições técnicas e planejamentos terapêuticos variados.
Outro exemplo? A histeria. No final do século XIX, várias manifestações somáticas (contrações corporais, gritos desesperados, desmaios e convulsões), principalmente nas mulheres, viraram objeto de estudos e de teses. Os estudos giravam em torno da loucura como condição do corpo, dos órgãos doentes, dos neurônios comprometidos e da sexualidade reprimida. Mas, agora, falar da histeria é cruzar os terrenos do mal estar existencial, das insatisfações e frustrações frente ao mundo.
O pânico, nome dado a um transtorno de ansiedade cujos sintomas de medo surgem abruptamente e causam desconforto intenso (além de outros sintomas, como palpitações, sudorese, sensação de morte iminente etc.), se apresenta como uma condição fortemente marcada pela modernidade, diferentemente de outros quadros clínicos. E mesmo seus traços tendo sido identificados já na década de 1960, com o nome de neurose de guerra (traumas agudos vividos pelos soldados nas batalhas da primeira e da segunda guerra mundial), o pânico, nos dias atuais, se fixou como umas das vivências mais agudas e dramáticas do mal estar humano, porque o sujeito não consegue encontrar recursos para sobreviver à tão faminta civilização.
A crise de pânico revela a experiência mais profunda e abissal do medo: a iminência da morte, a parada do corpo e o descontrole total. Muitos relatos de pacientes demonstram o quão insuportáveis são os minutos de sofrimento e de desrealização, sensação em que o sujeito se vê fora do corpo ou aquela sensação em que seu entorno (a realidade) é irreal, bizarro ou absurdo.
Dessa forma, o pânico configura como a ponta mais aguda do rochedo dos transtornos mentais, justamente por sua capacidade adaptativa às constantes mudanças da modernidade. Isso também se dá porque o pânico faz, daquele que padece do transtorno, um sujeito invisível a si mesmo, um ser fantasmagórico, um habitante de um outro lado da vida que tem a comprovação empírica de que a morte está mais perto do que pensamos.
A boa notícia é que os tratamentos atuais são capazes de transformar o pânico em algo menos assustador do que imaginamos. Resta ao portador do transtorno se dar a oportunidade de realizar tal transformação.
Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca