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Em toda relação humana, as expectativas estão sempre muito presentes. Esperamos, com intensidade, algo vindo do outro. Aguardamos uma correspondência capaz de nos confortar, principalmente nos momentos em que mais precisamos. Isso se deve às nossas feridas narcísicas, perdas sensíveis da psique, espaços vagos que necessitam de preenchimento, preferencialmente de afeto.

Vale mencionar que a ilusão narcísica de completude vem de berço. Ao ser embalado pelos braços da mãe, o bebê quase sempre encontra o conforto físico e psíquico capaz de criar uma zona de ilusão, campo de proteção que mais tarde será confrontado com a realidade. Então, o cobertor não será suficiente para proteger do frio, o seio não oferecerá a quantidade suficiente de leite para saciar a fome etc.

Ao longo da vida, são sucessivas as experiências de desilusão que vão nos ferindo e, com isso, nos frustrando. Portanto, tolerar a frustração é um dos principais modos de estabelecimento de vínculos com a realidade. As relações, quando baseadas nessa tolerância, preservam o respeito e também o limite do outro, bem como facilitam vivências de reparação.

Esse exercício da tolerância requer perseverança e maturidade. Quando esses fatores não se conjugam, quase sempre nos defendemos. Em decorrência, negamos as frustrações e suas derivações (sentimentos de decepção, tristeza, mágoa, ressentimento, entre outros).

A ingratidão pode, portanto, ser considerada uma faceta do vasto campo dos afetos que nos tocam profundamente. Quando há ingratidão numa relação, um não é capaz de demonstrar o reconhecimento devido de dos feitos do outro. O ingrato não só se recusa a viver a experiência da compaixão, da retribuição e da gratuidade, como também ataca tudo aquilo que vem daquele que espera algo em troca, que anseia por amenizar os efeitos de seu narcisismo, já tão ferido pelas desilusões.

A ingratidão, portanto é um afeto pernicioso, algo que se alastra quanto mais amargos nos tornamos, quanto mais fechados em nós mesmos nos tornamos. Com isso, somos cada vez mais capazes de ferir. Na experiência clínica, percebe-se que a ingratidão cria raízes principalmente nas relações familiares e amorosas.

Nas familiares, as teias de ideais construídos entre pais e filhos contrasta com as decepções, os ódios e, consequentemente, com os embates pela busca do reconhecimento. Os filhos desejam cada vez mais alcançar o ideal narcísico dos pais, enquanto os pais idealizam os filhos na esperança (vã) de vê-los se espelharem em seus feitos.

Nas relações amorosas, o que está em jogo é o anseio pelos ideais do amor perfeito. Nesse caso, a paixão se torna o afeto que impulsiona a nostalgia do ideal narcísico perdido. Como seria isso? O homem se torna, então, aquele ser envolto pelo prazer e, a mulher, o símbolo da sensualidade máxima.

Se refletirmos sobre o que disse o psicanalista francês Jacques Lacan, “amar é dar o que não se tem”, perceberemos que jamais vamos conseguir equalizar a reciprocidade de sentimentos entre duas pessoas. Conclusão: o desafio, portanto, é “conseguir dormir com esse ‘barulho’ “.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Somos testados diariamente. Em cada situação, a cada minuto e por cada mínimo comportamento, estamos o tempo todo sob o olhar do outro. Nos dias de hoje, esse tipo de relação vem sendo mais ostensivamente praticado. É claro que esse fenômeno não é tão contemporâneo assim, mas fica evidente o quanto podemos estar passando dos limites nesse aspecto.

As relações humanas vêm agregando múltiplas formas de experiência, já que estamos cada vez mais mergulhados (querendo ou não) nesse mundo hiperglobalizado. Como consequência, somos capturados, convocados e, muitas vezes, coaptados a participar ativamente desse processo, o que ocorre sem questionarmos qual o sentido disso tudo, ou pior, qual o sentido de estarmos vivendo isso tudo

Podemos afirmar que a dimensão desse questionamento divide definitivamente aqueles que se alienam daqueles que se angustiam. Se há alienação, há captura, resignação, aceitação de tudo, pacificação dos conflitos, roteirização da vida. Assim, de certa forma, é possível encontrar algum jeito de preencher os espaços vazios dentro de si com algum tipo de oferta que o mundo hiperexigente lhe oferece: exige-se em troca, evidentemente, extrema dedicação e cumprimento das metas.

Se há angústia, há questionamento e, com isso, vários aspectos da vida não serão vividos sem algum tipo de significado. Viver e buscar sentido para o que está sendo vivido tem agora uma relevância bem mais importante do que propriamente deixar as coisas seguirem seu rumo.

Para quem opta pelo mergulho no questionamento, na busca do sentido de si e da existência, encontrar as dimensões extremas de sofrimento pode resultar em um estado de extremo desespero. Muitas vezes, quando o desespero se transforma na dimensão mais dolorosa vivida pelo sujeito frente às suas problemáticas, o suicídio acaba sendo uma forma de livrar-se de si mesmo e, consequentemente, desse desespero. É um anseio contraditório, segundo o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, pois nosso próprio desejo por um estado de repouso e sem conflito acaba nos levando para o extremo desespero.

Diante disso, não há como fugir do desespero, mas é possível entender a dimensão do suicídio como uma experiência atrelada intimamente a uma intensa dor psíquica. Os atos, pensamentos ou planejamentos envolvendo o suicídio parecem ser, naquele momento, a única forma viável de colocar um fim ao intenso sofrimento retido dentro do sujeito.

Essa imensa fonte de energia dolorosa retida, pronta para descarregar, tem uma íntima relação com um excesso de vivências traumáticas às quais não foi possível, para o sujeito, dar atribuição e sentidos. Por esse importante motivo, antes que o suicídio seja colocado em ato, é fundamental dar voz àquele que se sente sufocado.

A tentativa de suicídio, como saída, põe em evidência um ato que precisa ser escutado e historicizado. Por isso, é importantíssima a escuta humanizada do sujeito frente ao suicídio, deixando-o falar sobre sua dor, sem qualquer julgamento ou interpretação. Somente dessa forma poderá advir um sujeito que estará se relacionando honestamente com seus desesperos, sem se deixar vencer por forças alienantes.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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“Não quero o que a cabeça pensa, quero o que a alma deseja.”  Belchior

Somos reféns das palavras e, muitas vezes, esse sequestro é muito bem planejado e articulado pelo pensamento. De fato, pensamos demais! É nesse universo confuso de ideias, impressões e afetos que nos perdemos o suficiente para não sermos capazes de transformar tudo isso em voz.

A saída mais perfeita para nossa sanidade: a boca, por onde tudo começou. Dela sorvemos o leite materno e amamos com fervor nosso primeiro objeto de amor: a mãe. É nessa relação que choramos as dores e gritamos nossos desesperos desde a tenra idade, procurando alguém que nos console e nos dê carinho.

Mas quanto mais o tempo passa, mais a vida nos impõe barreiras internas e externas. Somos então forçados a fazer recuos e fechar nossa boca. As palavras agora não têm por onde escapar e se transformam em pensamentos.

Na adolescência, o pensamento abstrato ganha fôlego. Adolescentes são mais calados, retraídos, observam a intensidade do mundo real dentro de um mundo próprio. Os ouvidos são ágeis, os olhos estão atentos para justamente acompanharem a velocidade de seus pensamentos e a agudeza de suas conclusões.

Pois bem, quando os indivíduos se tornam adultos, essa “cabeça que pensa” precisa cada vez mais cumprir os roteiros da vida. A racionalidade das decisões, a coerência e o bom senso, as virtudes do equilíbrio emocional são os componentes dessa “cabeça feita”. E como o mundo de hoje valoriza o pensamento!

Para a Psicologia, o pensamento compõe uma série de outros atributos psíquicos (como a percepção e a atenção, por exemplo) que compõem o que denominamos de cognição. Portanto, para pensarmos é preciso que acionemos uma série de outros mecanismos importantes, sejam eles senso-perceptivos, sejam eles afetivos.

A tarefa não é fácil, já que o mundo imprime a cada um de nós ritmos e exigências que, por vezes, tencionam demais toda essa engrenagem e, com isso, o sofrer passa ser a única alternativa para distender esse elástico.

Então, o melhor remédio para lidar com o sofrer é falar. Aquela mesma boca que sorveu o leite materno, que se calou aos 15 anos na mesa do almoço de domingo com a família e que se desesperou com os pagamentos a serem feitos mensalmente precisa agora urgentemente falar!

Pois é falando que expressamos o que nossa alma deseja e nos libertamos do peso que carregamos em silêncio.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Não existe situação mais angustiante do que estar diante de outra pessoa e do desejo dela pela morte.

A sensação de impotência diante desse desejo alheio nos coloca na iminência constante da perda de alguém significativo em nossas vidas. Alguém que vê na morte o único recurso para por fim a um sofrimento insuportável.

Para aqueles que estão nesta situação, cabe o conselho de não recuarem frente à sensação de impotência. É importante acreditarem que podem ajudar e salvar o outro, que podem livrá-lo das tramas do pensamento suicida.

Existem muitos mitos em torno do suicídio que precisam ser quebrados. Em toda experiência como essa, existe um sofrimento mental que deve ser tratado, um sofrimento marcado por um desejo confuso de ceifar a vida como última alternativa.

Em muitos casos, isso altera radicalmente a forma como o sujeito percebe a realidade e nada tem a ver com uma necessidade de chamar a atenção dos familiares. Quando sofremos de maneira intensa e dolorosa, mostramos os sinais, apontamos nossas ideias, buscamos desesperadamente um diálogo.

É preciso ter sensibilidade na presença do outro para perceber o pedido de socorro, para notar que muitas das melhoras repentinas podem ser sinais perigosos e disfarçados de algo pior.

E o mais importante: falar sobre suicídio não aumenta os riscos de ampliar a incidência de casos. É por meio de conversas a esse respeito que muitas angústias e pensamentos podem ganhar outro sentido.

É preciso vencer o medo da morte de quem amamos para que possamos buscar o melhor caminho para reconstruirmos o significado da vida: da vida do outro (que precisa da nossa ajuda) e da nossa.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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“O medo ameaça. Se você ama, terá AIDS. Se fuma, terá câncer. Se respira, terá contaminação. Se bebe, terá acidentes. Se come, terá colesterol. Se fala, terá desemprego. Se caminha, terá violência. Se pensa, terá angústia. Se duvida, terá loucura. Se sente, terá solidão”. Eduardo Galeano

O medo sempre será um sentimento necessário. Às vezes, até mesmo um mal necessário. Sentir medo é o mesmo que estar diante de seu próprio abismo. Nietzsche, nos seus aforismos filosóficos, dizia que o abismo nos chama toda vez que olhamos para ele.

Mas olhar para o abismo depende do quanto somos capazes de suportar a angústia inoportuna do medo. São palavras que nos ameaçam, fantasias que nos proíbem ou até mesmo obsessões que nos paralisam. O medo ameaça, impõe obstáculos ao nosso desejo, cria o cenário mais trágico possível para a vida.

Se sinto, tenho solidão, se como, terei colesterol. O medo é o ruído impertinente que levanta o sinal de alerta, que aponta para a culpa e para as consequências. Se tenho a lucidez necessária para enfrentá-lo, talvez seja possível compreender seu lugar e sua função em nossa vida.

O desejo só é desejo se colocado diante da realidade, da esperança de sua realização. O medo só tem sentido de existir quando a experiência do desejo encontra na realidade o caminho para sua satisfação. Quantas vezes nos calamos para permanecer no emprego, comemos o “adequado” para não termos colesterol alto, evitamos sentir por causa do medo de encarar o desamparo e a solidão?

Na psicoterapia, o medo é geralmente visto como a maior das ameaças, pois, quando falamos de nossos sofrimentos, nos deparamos com a terrível angústia de admitir a impotência frente ao medo. A primeira reação é anulá-lo, reprimi-lo, soterrá-lo de forma a permitir um alívio superficial.

Na terapia, o sujeito é convidado a falar sem se preocupar com qualquer julgamento ou crítica. O psicoterapeuta legitima seu paciente a não perceber o medo como uma ameaça e sim como um aliado, como uma parte importante do trabalho de amadurecimento.

Assim, o indivíduo prefere o senso crítico, a consciência dos desafios e, principalmente, a grandeza existente no desejo de escolha.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Somos formados por uma complexa rede de espelhos e refletores.

Contudo, é mais do que simplesmente olhar-se no espelho. É ser visto por outra pessoa, que pode enxergar mais do que o que nós vemos no reflexo, pois ela pode explorar mais ângulos para a observação, mais pontos de vista.

Nesse jogo, a imagem do outro se inscreve em nós e a nossa imagem se inscreve nele. Isso significa que a forma como o outro nos “enxerga” é muito importante. E, ultimamente, esse “olhar” ganhou ainda mais relevância.

Entra aí a expectativa de aceitação pelo outro, o que está atrelado ao pertencimento (a um certo grupo) e à fuga do desamparo.

Assim, em meio a esse anteparo de espelhos, buscamos uma conjunção entre as imagens. Esperamos uma correspondência vinda de outro lugar, isto é, de outra pessoa.

Essa expectativa é essencial na busca por sentido, pois o reconhecimento é o ato inicialmente imaginário (por isso, especular) e, posteriormente, simbólico que nos permite estabelecer relações com o outro. Por meio delas, tecemos as diversas formas de compreensão do nosso desejo.

Também é importante ressaltar que a forma como vemos o outro e ele nos vê provoca mudanças, tanto em nós quanto nele. Cada feedback (e até a ausência dele) pode desencadear uma série de reações.

Passamos a ser como esperamos que seja agradável a quem nos vê. Acreditamos que o reconhecimento amplia os horizontes das nossas realizações.

Ocorre que, em função dos vários papeis sociais que desempenhamos (pois somos, ao mesmo tempo, filhos, irmãos, profissionais, colegas de trabalho, amigos, vizinhos etc.), também nos deparamos com as várias expectativas que nossos pais, chefes, amigos etc. têm em relação a nós.

Atender todas essas expectativas, sendo um bom filho, um funcionário exemplar, um amigo confiável, enfim, atuar para ser aceito por todos pode se tornar um fardo pesado demais. Muitos se perdem de si mesmos nesse emaranhado de espelhos. A solução seria deixar de lado a busca por aceitação, pelo reconhecimento que nos faz estabelecer relações com os outros?

Quando buscamos negar tal reconhecimento, o que podia parecer sadio e geralmente é feito ao se evitar a presença do outro e, consequentemente, a influência que o outro exerce em nós, o reconhecimento se converte no seu negativo: o desconhecimento.

Estar nessa condição, de um sujeito que desconhece o outro, traz à tona sentimentos como a arrogância, em que somente nossos feitos são capazes de ser ostentados e admirados.

Então, é possível experimentarmos a onipotência, sentimento baseado no controle e no domínio do outro, e a onisciência, sentimento ligado ao “tudo saber”.

Mas, ao irmos na direção contrária e entrarmos no terreno do desconhecimento, damos o passo mais curto para o isolamento e o ostracismo. Definitivamente, esse caminho não é a melhor escolha.

Ao mesmo tempo, nesse mundo ambíguo, difuso e, muitas vezes, caótico, é um verdadeiro desafio manter-se na busca pelo reconhecimento sem deixar que a opinião alheia seja a força motriz da sua vida. Encontrar o ponto de equilíbrio é a verdadeira solução.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Em um dos escritos mais interessantes de Freud, Uma Introdução ao Narcisismo, o pai da Psicanálise descreve o quanto uma dor de dente, quando realmente atinge aquele ponto absurdamente insuportável, toma nossa psique de tal forma, que não conseguimos pensar em mais nada. O pensamento se concentra naquela forma dental a pulsar e doer constantemente, de modo que nosso narcisismo não é capaz de distribuir-se para outros afazeres do mundo externo.

A dor tem essa natureza ambígua e, ao mesmo tempo, nefasta. Ambígua porque nos alerta para um mal e, se há um mal, é bom que exista dor para nos alertar. Nefasta porque coloca o sujeito frente ao limite do corpo, à fragilidade de tecidos e órgãos e à finitude da vida, enfim, frente à impotência acompanhada do fracasso.

Como não somos personagens do país fictício de José Saramago (As Intermitências da Morte), onde a morte, de repente, resolveu pedir demissão e desaparecer do mapa, deixando todos os habitantes daquele país em estado de imortalidade, na vida real, a morte e suas vicissitudes (adoecimento, sofrimento, cura, medo etc.) vêm, com certeza, de mãos dadas com a dor.

Toda dor não é tão somente física e não se está falando aqui das dores da alma, dos sofrimentos psicológicos como um todo. É que a dor, em sua mais primitiva origem, no berço do nosso nascimento, já demarca seu território em nosso psiquismo. Isso significa dizer que nossa psique nasce na dor e com ela se desenvolve, aprendendo a lidar de várias formas com os momentos em que o alarme toca e aquela lancinante e aguda pontada, de repente, “dá as caras”.

Nesse ponto é que existe a diferença fundamental entre a sensação bem delimitada da dor e a indefinição que sentimos para determinar aonde esse dor vai nos levar. É essa indefinição aflitiva que chamamos de sofrimento: uma perturbação global, uma emoção mal definida que nos afeta a percepção e, como em uma espécie de ruptura contínua, gera um estado de intensa expectativa em relação ao nosso destino.

A principal saída para que a angústia desencadeada não se alastre é, inevitavelmente, a defesa contra a dor. Portanto, a dor é mais do que o efeito de uma ação física sobre o corpo. A dor é um afeto e, portanto, tem um importante valor psíquico, principalmente quando se trata de indivíduos para os quais a relação entre os limiares de dor e suas reações frente a ela (físicas e psicológicas) são dignas de maiores cuidados.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Em uma sociedade sedenta por exigências, o sujeito vive praticamente em realidades paralelas. De um lado, estão seus desejos e, do outro, a inibição dos mesmos. Realização e inibição caminham lado a lado e se cruzam justamente quando a realidade impõe condições de escolha. Dou vazão ao desejo ou o reprimo?

Freud, em um brilhante artigo chamado “O mal estar na civilização”, destaca o quanto nossa condição de sobrevivência frente à civilização está na renúncia das pulsões (força propulsora da psique). Assim, administrar os limites e excessos é condição inescapável da neurose.

A cultura faz esse jogo e, como resultado, os sintomas psíquicos também sofrem suas mutações. Um exemplo claro está nos sintomas depressivos. Décadas atrás, a depressão se confundia com uma certa melancolia da vida cotidiana. Como consequência, a depressão tornou-se objeto de poemas e peças teatrais. As obras tinham a tristeza profunda como pano de fundo para as manifestações do trágico. Atualmente, a depressão é um transtorno mental, “doença” a ser tratada, medicada e analisada com condições técnicas e planejamentos terapêuticos variados.

Outro exemplo? A histeria. No final do século XIX, várias manifestações somáticas (contrações corporais, gritos desesperados, desmaios e convulsões), principalmente nas mulheres, viraram objeto de estudos e de teses. Os estudos giravam em torno da loucura como condição do corpo, dos órgãos doentes, dos neurônios comprometidos e da sexualidade reprimida. Mas, agora, falar da histeria é cruzar os terrenos do mal estar existencial, das insatisfações e frustrações frente ao mundo.

O pânico, nome dado a um transtorno de ansiedade cujos sintomas de medo surgem abruptamente e causam desconforto intenso (além de outros sintomas, como palpitações, sudorese, sensação de morte iminente etc.), se apresenta como uma condição fortemente marcada pela modernidade, diferentemente de outros quadros clínicos. E mesmo seus traços tendo sido identificados já na década de 1960, com o nome de neurose de guerra (traumas agudos vividos pelos soldados nas batalhas da primeira e da segunda guerra mundial), o pânico, nos dias atuais, se fixou como umas das vivências mais agudas e dramáticas do mal estar humano, porque o sujeito não consegue encontrar recursos para sobreviver à tão faminta civilização.

A crise de pânico revela a experiência mais profunda e abissal do medo: a iminência da morte, a parada do corpo e o descontrole total. Muitos relatos de pacientes demonstram o quão insuportáveis são os minutos de sofrimento e de desrealização, sensação em que o sujeito se vê fora do corpo ou aquela sensação em que seu entorno (a realidade) é irreal, bizarro ou absurdo.

Dessa forma, o pânico configura como a ponta mais aguda do rochedo dos transtornos mentais, justamente por sua capacidade adaptativa às constantes mudanças da modernidade. Isso também se dá porque o pânico faz, daquele que padece do transtorno, um sujeito invisível a si mesmo, um ser fantasmagórico, um habitante de um outro lado da vida que tem a comprovação empírica de que a morte está mais perto do que pensamos.

A boa notícia é que os tratamentos atuais são capazes de transformar o pânico em algo menos assustador do que imaginamos. Resta ao portador do transtorno se dar a oportunidade de realizar tal transformação.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Um dia feliz, uma festa, uma viagem… e, de repente, um grave acidente. Chega a notícia à família. O jovem, promessa de um futuro brilhante, está no hospital entre a vida e a morte.

Algumas horas depois, a família recebe uma notícia ainda pior: o filho não resistiu e faleceu. Ao mesmo tempo, os pais são indagados: gostariam de doar os órgãos? Aceitam que o filho, que acaba de partir, salve outras vidas, de pessoas que eles não conhecem e talvez jamais conhecerão?

Seria justo deixar que outras famílias tenham o direito que esses pais não tiveram: salvar um filho? Ou a filha, o pai, a mãe, a irmã… E por que as outras famílias não teriam esse direito? Começa um dilema sem que os pais sequer tenham tido tempo de chorar pela morte do filho.

Se demorarem a responder, não haverá tempo hábil para que sejam efetuados os procedimentos necessários à doação dos órgãos. Já se passaram horas desde que uma sequência de exames foi feita para constatar a morte. Medicamentos mantém o corpo vivo, mas os órgãos, hora após hora, vão se deteriorando, porque não há mais funcionamento cerebral.

Enquanto a família vive o luto e o drama de tomar uma das decisões mais difíceis da vida, cerca de sete pessoas, ou até mais, aguardam ansiosas pelo “sim” e renovam a esperança em sobreviver a um problema grave de saúde.

O que esperar dos pais que acabam de perder um filho tão amado? O que dizer às famílias que vivem, há meses ou anos, o risco de perderem seus filhos ou outro ente querido? E das pessoas que perderam a qualidade de vida, a esperança, a autoestima enquanto aguardam ansiosas pelo bom resultado de uma conta que nunca fechará, pois há mais pessoas aguardando órgãos para transplante do que doadores e hospitais em condições de realizar os procedimentos?

Vivendo o luto

A perda de um ente amado nos remete ao mais doloroso e intenso dos sofrimentos humanos: a dor da morte. Somos capturados e praticamente lançados para um lugar vazio e estagnado. Nós não fomos preparados para lidar com as perdas e, por isso, estamos sempre nos defendendo dos perigos, seja por meio de sintomas de ansiedade, seja procurando manter a vida sempre em um compasso estável e racionalmente calculado.

Fazer todo esse movimento não está somente associado à dor da perda, mas a um estado em que só a experiência de morte pode nos remeter: o desamparo. “Sentimos” o vazio da morte de alguém muito querido como se tudo o que foi antes preparado caísse por terra. Como se as fronteiras internas de defesa psíquica se rompem, o mundo se torna sombrio e perigoso e a sensação de solidão não é mais algo meramente imaginário, é sentida na pele a dor da ausência do outro dentro de mim.

Para construir todo esse aparato dentro de nós, é necessária a garantia de que as lembranças vividas, os laços construídos e os projetos de futuro com o outro sejam cada vez mais reforçados. Não se pode perder de vista a importância da imagem do outro dentro de nós, para que, assim, a sensação de pertencimento ao mundo vença a tão temível angústia do desamparo.

Com a morte do outro, ocorre um verdadeiro rasgo entre a realidade concreta e a presença interna do ente amado. A morte vem mostrar duramente que é impossível manter as coisas dentro de nós da mesma maneira como eram antes. Agora, mais do que nunca, é preciso encarar a realidade da perda. Mas como fazer isso? Como sair desse estado de paralisia e desespero? Como é possível manter as lembranças vivas daquele que fisicamente já não se encontra mais entre nós?

Quando perdemos alguém muito especial vivenciamos um processo psíquico muito delicado chamado luto. Em Luto e Melancolia (artigo de [1915]), Sigmund Freud aborda o conceito de luto a partir de importantes evidências clínicas. Em um primeiro momento, o sujeito retira sua libido (energia psíquica) e, consequentemente, seu interesse pelo objeto perdido no luto (uma pessoa amada, por exemplo).

Em seguida, é gerado um mecanismo de inibição e gradual desinteresse sobre o mundo. O sujeito enlutado se fecha para proteger o que restou de vivo daquele que não pode mais nutri-lo de novos acontecimentos. Inicia-se, a partir desse momento, o trabalho de elaboração do luto, momento fundamental para que o sujeito possa, internamente, tolerar a angústia do vazio deixado pela perda, e, externamente, procurar reinvestir sua energia, assimilando e reorganizando seu Ego no sentido da continuidade da vida.

Essa seria encruzilhada diante de alguém que sofre a perda de um ente querido: de um lado, a paralisia no luto, de outro, a continuidade da vida em um trabalho de elaboração do luto e de reparação da dor. Frente à paralisia do luto, a consequência mais perigosa seria a melancolia. A vida não só perde todo o sentido, já que não há mais a presença daquele que partiu, mas nós mesmos nos mortificamos como forma de sacrifício e devoção àquele que um dia honrou a relação.

Reparando a perda

Entretanto, a saída mais saudável seria a da elaboração e reparação do luto. Nesse caso, ocorre um reconhecimento da angústia de perda, o desenvolvimento da capacidade de internalizar a dor e, ao mesmo tempo, de ser capaz de pensar o luto como uma passagem necessária.

Além disso, é possível observar um sujeito capaz de suportar sadiamente a frustração, aceitando a importância da história pregressa construída com o ente falecido, buscando, simultaneamente, o equilíbrio necessário para sustentar o vazio, as ambivalências e, principalmente, o pavor de sofrer novas perdas.

O fenômeno da recusa de alguns familiares à doação dos órgãos de seu ente falecido é, na verdade, um retrato complexo da relação que é estabelecida entre a paralisação e a estagnação ante o luto e o necessário desapego aos afetos para que a continuidade da vida seja perpetuada.

É um ciclo vital que precisa ser operado dentro de nós para que possa ser estendido para um outro que luta bravamente para viver. É preciso haver tato e muito cuidado ao lidar com questões tão sutis, porém, não é possível recuar diante da evidência do quanto a vida transcorre em uma sucessiva dinâmica de forças.

A morte, nesse cenário, precisa ser parte do processo de transformação, não um refúgio. Doar os órgãos do ente querido que se foi, então, pode sim ser sinônimo de reparar a dolorosa perda.

Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca


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Estar em processo de psicoterapia requer coragem. Nele, duas pessoas se dispõem a ficar frente a frente para se conhecerem, e assim, iniciarem um longo caminho de encontros e desencontros.

É importante ressaltar que, nesse processo, o falar é a principal forma de expressão do sofrimento psíquico. A cada fala, o paciente busca sua verdade, ou seja, a experiência emocional de contato consigo mesmo em seus desejos, seus ódios e suas angústias.

Muitas vezes, as pessoas acreditam que a psicoterapia será apenas fonte de um alívio imediato para suas dores emergenciais e, desse modo, tudo ficará rapidamente organizado, como uma espécie de cura milagrosa.

Alguns chamam tal desejo de Furor Curandis, o desejo excessivo pela cura. Mas, na prática clínica, em cada sessão, em cada encontro, a principal bússola para o paciente e para o terapeuta é, sem dúvida, a angústia. Por meio dela, emergem todos os afetos e as turbulências emocionais que movem o sofrimento do paciente. O terapeuta, atento e empático, acolhe, escuta e auxilia.

Nessa etapa do processo terapêutico, a frustração representa um sentimento muito específico e essencial ao tratamento. Os angustiados, principalmente ao falarem de questões mais profundas, acionam mecanismos de defesas muito poderosos.

Esses mecanismos muitas vezes emergem inconscientemente e têm a função de impedir que, por meio da fala, o indivíduo continue a se frustrar diante de tanto mal estar. É comum o pensamento de que nada irá evoluir no tratamento e, que na verdade, o paciente está preso em um ciclo em que repete os mesmos problemas sem uma “solução eficaz”.

A frustração pode ser considerada o lado negativo de uma expectativa de satisfação, de resolução da angústia. Enquanto buscamos a realização dos desejos por meio de uma felicidade idealizada, desprezamos os efeitos benéficos da frustração.

Como diria o filósofo Luiz Felipe Pondé, “Confundimos a ideia de que sofrer é ruim com a ideia de que eliminar o sofrimento é saudável. O resultado é que o amadurecimento, filho direto da dor, da frustração e da tristeza, desaparece”.

Assim, a psicoterapia é um processo cujo principal objetivo é fazer com que o paciente busque seu ponto de amadurecimento psíquico e seja capaz de lidar, com sabedoria, com suas dores, angústias e frustrações, e faça isso sem evitá-las, justificá-las ou, até mesmo, sacrificá-las.


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