Em toda relação humana, as expectativas estão sempre muito presentes. Esperamos, com intensidade, algo vindo do outro. Aguardamos uma correspondência capaz de nos confortar, principalmente nos momentos em que mais precisamos. Isso se deve às nossas feridas narcísicas, perdas sensíveis da psique, espaços vagos que necessitam de preenchimento, preferencialmente de afeto.
Vale mencionar que a ilusão narcísica de completude vem de berço. Ao ser embalado pelos braços da mãe, o bebê quase sempre encontra o conforto físico e psíquico capaz de criar uma zona de ilusão, campo de proteção que mais tarde será confrontado com a realidade. Então, o cobertor não será suficiente para proteger do frio, o seio não oferecerá a quantidade suficiente de leite para saciar a fome etc.
Ao longo da vida, são sucessivas as experiências de desilusão que vão nos ferindo e, com isso, nos frustrando. Portanto, tolerar a frustração é um dos principais modos de estabelecimento de vínculos com a realidade. As relações, quando baseadas nessa tolerância, preservam o respeito e também o limite do outro, bem como facilitam vivências de reparação.
Esse exercício da tolerância requer perseverança e maturidade. Quando esses fatores não se conjugam, quase sempre nos defendemos. Em decorrência, negamos as frustrações e suas derivações (sentimentos de decepção, tristeza, mágoa, ressentimento, entre outros).
A ingratidão pode, portanto, ser considerada uma faceta do vasto campo dos afetos que nos tocam profundamente. Quando há ingratidão numa relação, um não é capaz de demonstrar o reconhecimento devido de dos feitos do outro. O ingrato não só se recusa a viver a experiência da compaixão, da retribuição e da gratuidade, como também ataca tudo aquilo que vem daquele que espera algo em troca, que anseia por amenizar os efeitos de seu narcisismo, já tão ferido pelas desilusões.
A ingratidão, portanto é um afeto pernicioso, algo que se alastra quanto mais amargos nos tornamos, quanto mais fechados em nós mesmos nos tornamos. Com isso, somos cada vez mais capazes de ferir. Na experiência clínica, percebe-se que a ingratidão cria raízes principalmente nas relações familiares e amorosas.
Nas familiares, as teias de ideais construídos entre pais e filhos contrasta com as decepções, os ódios e, consequentemente, com os embates pela busca do reconhecimento. Os filhos desejam cada vez mais alcançar o ideal narcísico dos pais, enquanto os pais idealizam os filhos na esperança (vã) de vê-los se espelharem em seus feitos.
Nas relações amorosas, o que está em jogo é o anseio pelos ideais do amor perfeito. Nesse caso, a paixão se torna o afeto que impulsiona a nostalgia do ideal narcísico perdido. Como seria isso? O homem se torna, então, aquele ser envolto pelo prazer e, a mulher, o símbolo da sensualidade máxima.
Se refletirmos sobre o que disse o psicanalista francês Jacques Lacan, “amar é dar o que não se tem”, perceberemos que jamais vamos conseguir equalizar a reciprocidade de sentimentos entre duas pessoas. Conclusão: o desafio, portanto, é “conseguir dormir com esse ‘barulho’ “.
Prof. Dr. Rodrigo Otávio Fonseca